Minha irmã, a médica

09:39 3 Comments »
Dizem que eu abri o berreiro, morta de ciúmes, quando ela nasceu. Eu não posso confirmar - tinha um ano e meio de idade.

Dividimos o quarto desde aquele dia até quando eu parti para a Inglaterra e ela partiu para a república. Ela dizia que eu ronco. Eu digo que ela fala quando dorme. Ela reclamava que eu lia na cama e deixava a luz acesa. E ela, que queria assistir TV quando eu estava dormindo?

Ela é metódica. Tem uma caligrafia perfeita. É organizada. Tem cabelo escuro e olhos castanhos. O meu oposto completo. Claro que isso deu problemas - mas também trouxe um equilíbrio estranho para o lar.

Eu penso, ela executa. Eu faço discurso, ela faz careta. Ela se mobiliza, eu vou tocando o barco. Ela é habilidosa, já foi boa desenhista, pintora e bordadeira. Pergunte se eu sei fazer alguma dessas coisas.

Ela e o namorado deram um micro-ondas de presente de casamento para mim e o alquimista. Prática como sempre, quando ela visitou o meu apartamento ficou feliz ao ver o presente em uso.

Ela gosta até hoje de ver TV para pegar no sono. E continua magrela.

Ela se forma médica hoje.

Eu só vou estar lá em espírito. As coisas são assim mesmo.

Mas é engraçado falar para os outros: "eu tenho uma irmã médica".

Para mim, ela é só a Tereza. Para os outros, de agora em diante, é Doutora Tereza, por favor.

É a minha irmã. Aquela ali. A doutora. Legal, né?

Weather report, esse esporte bretão

18:21 1 Comment »
Mas como assim, neve em outubro?

Pois. Nevou em muitas partes da ilha ontem. Menos na Anglia, óbvio, que as coisas aqui sempre acontecem do avesso (embora as temperaturas já estejam negativas e as poças d'água já tenham começado a congelar).

Não costuma nevar nessa época do ano. Estamos no outono, época de colheita. Em geral, é de fim de dezembro para a frente que se vê os famosos floquinhos de gelo caindo do céu e atrapalhando o trânsito (ingleses se queixam de nevascas, e com certa razão: é divertido ver da janela, mas nem um pouco agradável ter que andar por cima de um cobertor de neve).

Mas, assim como as vendas de produtos natalinos nas lojas, também a neve decidiu se antecipar, fazendo minha vida mais feliz. Aquecimento global be damned, por aqui o negócio é aquecimento de calefação mesmo.

Da importância das notícias

06:03 2 Comments »
Quando liguei para meus pais ontem, o pessoal falou mais da volta do Corinthians à série A do que sobre as eleições. Afinal, já eram favas contadas, como dizem (como aconteceu na eleição passada - em que eu também não votei por estar "ausente do domicílio eleitoral").

Se isso diz alguma coisa sobre o país, não sei. Diz sobre minha casa, o que já é trabalho suficiente para mim.

O Espião que Autografava

15:46 Posted In 3 Comments »
Pessoas na minha frente na fila: pelo menos 141 (eu tinha uma senha com o número 142 - mas todo mundo estava acompanhado de pelo menos uma pessoa, responsável por trazer chá ou guardar lugar na fila). Juntando todo mundo tinha por baixo quinhentas pessoas.

Tempo de espera: noventa minutos.

Um chocolate quente, um scone e uns bombons - o pessoal da livraria, muito gentil, passou com uma lata de doces.

Entrevista para o telejornal local (na verdade foi o alquimista, que estava lendo o livro quando chegou o repórter). Foto para o jornal da região posando com o livro.

E as regras todas - não vai dar para pedir dedicatória, foto posando com ele etc etc etc.

Mas quando se trata de seu 007 favorito de todos os tempos, vale a pena o esforço. Afinal, quais eram as chances de eu poder ver Sir Roger Moore na minha frente outra vez?

O primeiro filme de James Bond que eu vi foi "Live and Let Die".

Coisa do meu pai, que é um 007-fanático. Ele e eu assistimos todos os filmes da série juntos.

Foi ele quem me ensinou a gostar de Roger Moore -
e fico contente de poder ter dito isso
para o Sir 007 em pessoa, mesmo que meio às pressas.

Caligrafia

05:52 Posted In 1 Comment »

Estou aprendendo hiragana
(é um dos alfabetos japoneses).
Por enquanto, só as vogais.
É como entrar no pré-primário
para aprender a escrever.

Uma letra de cada vez
treinada à exaustão
geralmente com uma caligrafia tremida
(como se já não me bastasse
a minha letra corrida normalmente).

Aos pouquinhos, porém,
o código vai se quebrando.
O desenho acima é a letra A -
eu ainda não sei desenhar a curva direito,
mas eu estou aprendendo.

É como ter sete anos de novo
apesar dos vinte e sete na certidão:
começar do zero absoluto
e ali encontrar todo um universo.

Breve resumo de uma semana regida por algo minúsculo, porém perigosíssimo:

04:51 0 Comments »
Fiquei gripada.

É uma onda de gripe que se chama freshers' flu - a gripe dos calouros. Acontece todo ano, quando uma enxurrada de alunos novos chega à universidade, trazendo com eles toda sorte de germes igualmente novos. Isso mais o frio acentuado do outono: coro de espirros e aumento da venda de lenços de papel.

Complicado ensaiar no coro ou assistir aulas ou respirar desse jeito. Mas já passou. De volta para a programação normal.

Contando até dez

05:34 1 Comment »
Os vizinhos, se não tinham certeza de que eu era meio pirada, agora não tem dúvida nenhuma.

Afinal, quem em sã consciência fica recitando como dizer os números de zero a dez em japonês enquanto lava a louça? Aos berros?

Rai, ichi, ni, san, yon, go, roku, nana, hachi, kyû, jû - e de novo, e de novo, até decorar!

Em harmonia (ou bem que tentando)

03:59 3 Comments »
Eu sempre tive pavor de cantar em público.

O que é estranho, se você for ver. Sempre fui a primeira a ir falar para a classe toda, fiz parte de grupo de teatro, a tagarelar com estranhos para coisas ainda mais estranhas (jornalismo, basicamente). Mas cantar? Nem ferrando. Quem me conhece sabe que eu sou o tipo de gente que canta de costas no karaokê - isso se é que consegue se convencer a ir lá cantar.

Não sei bem como, fui convencida a participar de um coro na universidade. E como não fui expulsa por quebrar vidros com minha voz durante os ensaios, fui ficando.

Ontem foi a primeira apresentação.

Deu tudo certo. Ganhei até elogios. Terça-feira tem mais ensaios - material para a próxima apresentação.

Às vezes ainda sinto vontade de cantar de costas para o público. Mas de pouquinho em pouquinho, eu vou esmigalhando esse medo. Ora, se não vou.

O incrível campeonato de salsichas

13:59 2 Comments »
Feira agrícola no centro da cidade. A faculdade de Agronomia da região (que não é parte da UEA) montou um estande com ovelhas, galinhas e uma vaca premiada, com bezerros de brinde. Produtores de queijo, vinho, vegetais, comida pronta orgânica, todo mundo com sua barraca e sua bandeja de amostras grátis, conversando com a população, vendendo seu peixe.

Mas o que atraiu multidões foi a Batalha das Salsichas.

E isso merece breve explicação: o que os ingleses chamam de sausage é um meio caminho entre uma salsicha e uma lingüiça brasileira. O tamanho da primeira com a variedade de recheios da segunda. E o povo aqui curte muito. Tanto que um dos pratos favoritos da nação é bangers and mash - salsicha com molho de cebola e purê de batata.

E todo açougue que se apresente nessa terra tem que fabricar suas próprias sausages. Daí a natureza da Batalha das Salsichas.

Seis produtores locais participavam de um campeonato que elegeria a melhor salsicha. Os juízes: o público da feira, que podia comer quantas amostras quisesse e, depois de votar, ainda concorreria a um jantar num pub simpático aqui da cidade.

Agora imagine seis barracas com churrasqueiros, chapas funcionando a mil por hora, no meio da praça central, num lindo dia ensolarado. E calculem, pois, a quantidade de gente que apareceu para cumprir com o dever cívico.

(Eu e alquimista, inclusive. E atesto que foi difícil escolher um só vencedor).

Rádio Mistral FM - "La Lettre"

04:14 Posted In 0 Comments »




La Lettre / A Carta
Renan Luce ("Repenti", 2007)

Eu recebi uma carta / faz mais ou menos um mês / entregue por engano / confusão do carteiro / aspergida de perfume / e batom carmim / eu deveria, essa carta, / não tê-la aberto, talvez.

Mas eu, eu sou um homem / que gosta bastante desse tipo de jogo / eu bem que quero que ela me chame / Alphone ou Fred / Que seja como ela quiser

Margaridinhas bonitas / nos topos dos "i"/ cantos decorados / como nas abadias / alguns erros ortográficos / uma ligeira dislexia / e à guisa de assinatura, / "a loirinha sexy"

E eu, eu sou bem um homem / que gosta bastante desse tipo de jogo / não curto muito as freiras / e daí que por ela eu caí de amores

Ela escreveu que no domingo / ela estará na falésia / onde eu a peguei pela cintura / e que na hipótese / em que eu não tenha o tato / de assumir meus atos / ela escolherá o impacto / trinta metros pra baixo

E eu, eu sou bem um homem / que gosta bastante desse tipo de jogo / eu não quero que ela se destrua / porque por ela eu caí de amores

Graças ao carimbo do correio / de uma vila perto da Mancha / eu cheguei bem mais cedo / na manhã do domingo / o lugar estava deserto / era preciso ter paciência / Loiras suicidas / não chegam às centenas

E eu, eu sou bem um homem / que gosta bastante desse tipo de jogo / quero vencer Newton / porque por ela eu caí de amores

Ela olhava para a Mancha / quando eu a reconheci / Eu a puxei pela manga / Minha pequena ingênua / Que não era tanto assim / se você olhasse o perfil / que um pequeno habitante / lhe imprimia abaixo do umbigo

E eu, eu sou bem um homem / que gosta bastante desse tipo de jogo / eu bem quero que ele me chame / "papai"... se ele quiser / Se ele quiser!

***

Faz tempo que eu não fazia traduções assim. E, tendo descoberto a música de Renan Luce recentemente, achei que era uma boa idéia esticar meus músculos textuais um pouco. O sujeito é da linha da nouvelle chanson, junto com meu ídolo Bénabar (para quem Renan já abriu shows) e Raphaël. E, puxa, o som é bom!

Dôzo yoroshiku!

16:25 Posted In 3 Comments »
Primeira aula do curso de japonês. Idioma que eu sempre quis aprender e nunca tive dinheiro/oportunidade/tempo.

Comigo, vinte pessoas - classe lotada. A professora é um amoreco, com rosto de lua cheia, vinda de Nagoya ("a cidade que ninguém visita", segundo ela). Pela primeira vez, não sou a pessoa mais tagarela da sala - isso me animou um bocado. O pessoal está indo sem medo de errar. Até que enfim!

As primeiras palavras são o mais simples: "como você se chama?", "de onde você vem?", essas coisas. Igual em toda classe de idiomas. Só um pouco mais complicado de pronunciar.

Dôzo yoroshiku, literalmente, significa "seja gentil comigo". É usado no sentido de "prazer em conhecê-lo" quando se é apresentado a alguém. A frase, nos dois sentidos, é o que eu falo agora para o novo idioma na minha vida.

Watashi wa Anna desu. Dôzo yoroshiku!

Duas vezes duas rodas

15:39 Posted In 4 Comments »
É engraçado andar de bicicleta com alguém.

Demora um pouco para arrumar a coreografia. Acertar o ritmo para não acertar a canela de quem lidera a fila. Ou o poste logo na frente. Ou o pára-choque do carro ao lado.

Acelerar junto. Frear junto. Desviar da poça, dos pedestres, do buraco em conjunto.

É bom porque dá para dividir as compras. Duas mochilas, uma cestinha, perfeito. Ou quase: pedalar com esse vento e peso extra, haja fôlego (e pernas, principalmente. Ainda bem que no caminho para o supermercado não tem ladeira).

No mais, sim, é divertido andar de bicicleta com alguém. Muito divertido mesmo.

Não sei como dizer isso, mas...

04:57 3 Comments »
...eu entrei para um coral da universidade. Primeiro ensaio ontem. Apresentação em quinze dias para o pessoal da Pastoral Universitária.

E eu nem avisei para eles que eu - teoricamente - não sei cantar. Até agora ninguém parece ter percebido...!