Não adianta negar -- o verdadeiro esporte bretão não é o futebol, nem o críquete, nem o rugby, muito menos a Fórmula Um ou as corridas de cavalo. A competição que mais alegra o povo é... quem tem o jardim mais bem cuidado.
E põe competição nisso. Na minha rua, se um vizinho planta um cacto, semana que vem um outro aparece com uma planta carnívora e assim por diante. Mesmo os bairros mais pobres tem seus jardins com toda sorte de enfeites, flores e parafernália. Eu moro em prédio e não me permitem ter floreiras na janela, de modo que eu quando muito tenho vasinhos de flores na cozinha e ramos de salsinha e coentro em baldes.
Ontem fui com o alquimista passear em uma flora perto de casa. Um monte de coisas para vender, rosas de duzentos tipos e cores, estufas para quintal que parecem ter saído de um filme do Wallace & Gromit. Bom para descansar os olhos. Quando a senhoria não estiver olhando, acho que vou plantar uns pimentões no pátio do prédio. Vai que dá certo!
Por aqui, a temporada do futebol é no outono/inverno (setembro a março). No que eles chamam de verão, tem o campeonato de tênis, a corrida de Fórmula Um, as corridas de cavalo, os campeonatos e desafios internacionais de críquete e rugby.
De críquete não entendo quase nada, embora mais de uma boa alma já tenha se esforçado para me explicar. Rugby, entendo um pouco mais, tenho amigos que jogam, mas não curto.
Não sou chegada em tênis, mas acompanho esporadicamente. Meus pais jogavam bastante quando eu era menor, portanto eu sei as regras e tal. E o Aberto de Wimbledom é uma dessas coisas impossíveis de não acompanhar: os obrigatórios uniformes brancos, única quadra de grama do circuito oficial, venda de morango com creme nas arquibancadas, a eterna esperança inglesa se desfazendo nas quartas-de-final (não ganha um tenista britânico desde 1932 entre os homens, 1977 entre as mulheres), a ameaça de chuva, o pessoal sem ingresso assistindo do morro ao lado (com direito a acampamento, faixas e cidra)... Chega até a dar saudade quando termina.
Daqui a pouco tem Silverstone e isso me anima. Mais acampamento, mais "esperança britânica" (será que o Hamilton desencanta?), show de rock no paddock (certo ano teve até o Damon Hill tocando guitarra, o que iniciou a suspeita entre os beatlemaníacos que ele é na verdade filho do George Harrison), mais ameaça de chuva. E sem Galvão Bueno, o que é, pelo menos para mim, vantagem.
E ainda tem as Olimpíadas em agosto. A honrada esportista-de-sofá aqui já está arranjando almofadas novas e estocando biscoitos e chá para as próximas atrações.
Minha mãe manda pacotes com comida brasileira de quando em vez. Nada de muito exagerado: massa para pão de queijo e bolo de fubá, Café Decente (com merecidas maiúsculas), às vezes bananadas ou biscoitos ou qualquer coisa do gênero.
Antigamente, eles eram revistados pela aduana britânica, mas chegavam inteiros. O penúltimo pacote foi aberto pelo Customs, mas o conteúdo estava intacto.
Hoje, todos os pacotes vieram rasgados e remendados. Tinha pó de café espalhado pela caixa toda -- o que significa que tem pó de café pela cozinha inteira, porque abri a encomenda com pressa. Imagine que a aduana abriu até alguns Sonho de Valsa para ver se tinha coisa dentro! O único item que passou longe de tesouras foi o pó para pão de queijo, nem imagino o porquê.
Eu sei que é importante a vigia contra as drogas e tal. Mas, tipo, aqui é o interior da Inglaterra. Que tipo de tráfico os caras acham que minha mãe seria capaz de fazer? OK, café brasileiro é tão forte que deve ser considerado droga excitante, mas ainda assim, caramba - podiam pelo menos ter deixado os chocolates inteiros!
Não é dia dos namorados aqui (domingo é o dia dos pais na Europa - ajuda?). Mas para ouvir Michael Ball não precisa ter data específica. Relevem, por favor, o terno do moço e concentrem-se na voz.
Aos que celebram o dia dos namorados, feliz dia dos namorados. Aos solteiros porque sim, um brinde. Aos solteiros e procurando, boa sorte.
Et à toi, mon cher, tout l'amour et tout le bonheur du monde, aujourd'hui et pour toujours :)
Para vocês verem o azar que eu tenho com jogo de futebol - agora que começou a Eurocopa, tem dois jogos por dia. O jogo que eu decido assistir sempre é o jogo sonolento do dia, aquele que não tem gol nem briga nem impedimento nem coisa nenhuma.
Basta eu desligar o rádio ou sair do pub e pronto - marcam gol de bicicleta, o atacante dá uma voadora no bandeirinha, invadem o campo, essas coisas...
Dia de sol, todos na rua. De acordo com uma professora do alquimista, quando faz sol na Grã-Bretanha ninguém toma banho - porque quando você entrar no chuveiro, provavelmente o sol já terá ido embora.
Faz sentido, se você considerar que só choveu a semana passada -- com mais ou menos intensidade, mas sem intervalo. O que deixa qualquer um deprimido. Viva o sol, enquanto ele durar.
Os campos estão imensos e verdíssimos, com libélulas azuis, do tamanho de um dedo e finas como duas cargas de lapiseira juntas. Obviamente, impossível de fotografar - libélulas, ao contrário dos coelhos da universidade, não param para posar.
Eurocopa. Nada de Inglaterra, nem de Escócia. Logo, o bar e seu telão são dominados pelos alunos estrangeiros. Hoje, dez franceses e mais dez curiosos (eu e alquimista entre eles) assistiram a pífia estréia da França contra a Romênia. Agora joga a Itália contra a Holanda e eu prometi que não ia fazer piada -- tenho amigos italianos e meu anjo da guarda aqui na Anglia é de origem holandesa. Mas espero que pelo menos tenha gols, ou eu vou desistir de assistir.
Acabaram os exames, em breve são as festas de formatura e depois o verão e o silêncio nos campos da universidade. Vai ser uma época estranha, pode crer.
Um dos defeitos que mais me dão trabalho é minha incrível incapacidade de dizer quando um texto está pronto. Eu corrijo, eu reviso, eu reescrevo até os punhos começarem a doer. Eu fico com dor de cabeça, eu fico monotemática, eu pesquiso um milhão de assuntos diferentes.
Mas uma hora o diabo do texto se recusa a ser alterado mais uma vez. E aí eu tenho que desistir, imprimir, colocar tudo no envelope, enviar e rezar.
E começar tudo outra vez. Porque o pior de tudo é que eu me divirto no processo!
Por causa dos prazos, da correria, da chuva lá fora. Porque estou lendo Os Irmãos Karamazov de novo (doze, treze anos depois? Por aí...) e digamos que a leitura impede outras coisas. Porque tem uma pilha de coisas a mandar pelo correio, uma outra pilha de coisas a fazer na universidade antes que acabe o ano letivo e tudo fique às moscas.
E, principalmente: porque no momento eu não quero. Et toc!
Anna, 28 anos, na ponte aérea São Paulo (Brasil)/Norwich (Inglaterra). Casada com um alquimista. Vivo de escrever enquanto e porque respiro. English spoken, on parle français, nihongo ga wakarimasu (e durma-se com um barulho desses).
Minha voz você pode ouvir no podcast esportivo 3 na Copa.