Fui ao estádio anteontem - amistoso do time da cidade contra os atuais campeões da taça do "Championship" (leia-se segunda divisão do futebol britânico). Que o time da cidade tenha perdido de 5 X 1 foi o de menos. O mais divertido e surpreendente estava ao redor do campo.
Foram 25 mil pessoas no estádio, casa cheia. E só tinha vinte policiais.
Repito por extenso: vinte e cinco mil torcedores e vinte policiais. Ironicamente, 90% deles na área da torcida visitante. Mas só tinha vinte policiais. Eu contei. Tenho testemunhas.
Entre os ditos torcedores, idosos, crianças (um monte, de idades variadas, todas grudadas na beira do campo para pedir autógrafo aos jogadores - não tem grade ao redor do gramado), gente de cadeira de rodas. Sem drama, sem crise, sem precisar levantar a cadeira por cima da catraca. Famílias inteiras com a nada discreta camisa do Norwich City (amarelo ovo caipira com mangas verde-escuras), senhoras de idade comentando o jogo, tudo na santa paz.
A entrada no estádio é fácil à beça. Os torcedores do time adversário fazem fila para comprar fritas e torta de carne (cardápio clássico de um estádio britânico) junto com o time da casa e ninguém briga. E pode beber cerveja, uai - mas só na cantina; não pode levar pra arquibancada nem entrar no estádio com álcool (comida pode, refrigerante e água também). Se você não se comporta, um policial (ou vários, depende da situação) leva você para fora do estádio. Multa, no mínimo. Prisão e banimento de estádios, no máximo.
O lugar é limpíssimo, lugares marcados no ingresso, assentos cobertos (há de se considerar que chove muito por aqui), restaurante, lanchonete e uma baita loja de suvenir do lado de fora. O jogo teve até programa! Programa, senhoras e senhores, como se a gente tivesse ido na ópera!
Que não venham me dizer que é assim porque é "primeiro mundo" e jogo amistoso. A coisa já foi muito pior. O futebol britânico tinha a pecha de ser o mais violento da Europa e até hoje os hooligans são de meter medo em qualquer um. O que aconteceu foi que os amantes do futebol descobriram que ou eles melhoravam os estádios e o comportamento dos torcedores ou o jogo estava ameaçado para sempre.
Aconteceu o que aconteceu: estádios como o do Norwich City FC são regra, não exceção. E uma paulistana como eu, que morria de medo de ir em qualquer jogo na terra natal (até no pacífico estádio Crespi, ninho do querido Juventus!), já está considerando comprar ingressos para as próximas exibições do time.
Se pelo menos eles não tivessem uma defesa tão mixuruca!...
O chato de uma comunidade universitária é que uma hora o pessoal vai embora. Ontem foi a festa de despedida de uma grande amiga, que arranjou emprego em sua terra natal e parte de vez de Norwich. Teve bebida aos montes, comida típica, música velha nas caixas de som, um monte de colegas, dicussões sobre o sexo dos anjos, a anfitriã dançando salsa e um italiano que deu um nó de marinheiro nos cardaços de uma lituana. Ou seja, uma festa leve para os padrões locais.
O mais chato de uma comunidade universitária é que essa amiga mora na Eslováquia e dificilmente eu vou visitá-la no verão (ou em qualquer outra estação do ano). Se bem que o amanhã nunca se sabe. De repente ela e o namorado decidem conhecer o Brasil ou eu vou conferir se Bratislava é tudo isso que as fotos na porta da geladeira dela mostram. Eu não sei.
Só sei que ela vai me fazer falta. E isso me incomoda muito.
O desenho animado acima é a apresentação das vinhetas animadas da BBC para os Jogos Olímpicos de Pequim (eu sei que é para escrever Beijing, mas na minha cabeça ainda é Pequim). Criado por Jamie Hewlett and Damon Albarn (i.e. os caras responsáveis pelos Gorillaz), o desenho é baseado numa lenda tradicional chinesa e demorou quatro meses para ficar pronto.
As abelhas aqui são alimentadas com fermento. Ou isso ou o pólen inglês é atômico. Só isso explica o tamanho dos bichos que eu encontro nos jardins daqui, pelo menos do tamanho de um polegar, fora de brincadeira...!
Insetos por aqui só existem no verão. Como o verão só dura um mês, mais ou menos, a sensação é que abriram a Caixa de Pandora e tudo que é besouro, aranha e moscas saíram correndo na direção da luz antes que o vento vire. Dá para para assustar.
Semana quente, um monte de gente de bermudas e chinelos, rostos vermelhos e pernas brancas (inclusive as minhas!), filas no carrinho de sorvete, planos de ir para a praia. Dura pouco, mas é divertido - justamente porque dura pouco, pelo menos para mim!
Trocar notícias com os amigos que visitam ou com os parentes que telefonam é a única forma que eu tenho para saber o que acontece do outro lado do mar. Por mais que eu leia os sites de notícias, as manchetes só fazem sentido depois que alguém me traduz.
Não é que eu esteja ficando burra. O que estou ficando é cada dia mais afastada do círculo de discussão. Me falta uma padaria ou uma banca de jornal para ouvir os comentários dos outros sobre o assunto, um lugar onde eu possa interpretar a nota do jornal de maneira compreensível para meus ouvidos.
(se bem que com as notícias que tenho recebido, prefiro mesmo continuar na sábia ignorância dos fatos. É melhor para meu pobre fígado, tão cansado de passar raiva).
Basicamente, caras, vocês vão nos fazer falta. Espero que vocês encontrem Abbey Road (e que se lembrem em qual estação descer) e que a viagem de volta ao Brasil seja tranqüila e cheia de esperanças para outras visitas, no futuro próximo.
Obrigada pelos copos Beatles, pelos biscoitos, pela companhia e pelas risadas. You're very welcome.
Doação de sangue. A segunda tentativa este mês. Na primeira, quinze dias atrás, as veias do braço direito decidiram que não queriam colaborar com a causa; voltei para casa com um belo dum hematoma dolorido e fula da vida com o lado de dentro do meu organismo.
Voltei hoje para a enfermaria preparada para tudo: agasalhada (vai que a veia encolheu de frio?), tomando suco, fazendo mais muque que marombeiro em desfile. Na hora H, nada: a veia do braço direito não compareceu de novo. Que raiva!
Quem sabe o braço esquerdo? Juntam-se três enfermeiras para analisar o caso, quer dizer, o braço. Aperta daqui, aperta dali, analisa a distância e a profundidade e - ufa! - tem uma veia! Só faltaram virar a doadora do avesso. O importante é que a doadora não reclamou (muito). O importante é ter enchido a bolsa de sangue.
Ganhei um chaveiro com meu tipo sangüíneo, agradecimentos pela paciência, chá com biscoitos e outro hematoma dolorido (e roxíssimo), desta vez com orgulho e distinção. Viva!
Para ir até o centro de Norwich depressa de bicicleta, só pegando a avenida do lado de casa, a New Market Road - uma linha reta de três milhas, com um monte de árvores, a rotatória mais confusa da Grã-Bretanha... e um monte, mas um MONTE de ônibus indo e vindo.
Isso porque os vilarejos próximos são ligados à cidade grande por uma rede extensa de transporte público (leia-se busões de todos os tipos, modelos, tamanhos e índices de sujidade); o fim da New Market Road dá para a estrada, uma das portas de entrada de Norwich. Toca então a ciclista iniciante aqui olhara cada dois segundos por trás do ombro para ver se não vem vindo algum coletivo de dois andares na rua.
Quando aparece um, eu grudo no meio-fio, andando a dois por hora. Em geral eles passam e nem encostam - eu não sou, afinal, a única andando de bicicleta por aqui. Mas tem hora em que é preciso mandar leis de trânsito pro inferno e subir na calçada, duas rodas e tudo, costurando para não virar roadkill. É engraçado - quando você lembra da cena dois dias depois.
Até aqui tudo bem, afinal a cidade está meio parada por causa das férias. Quero ver se isso continua quando voltarem as aulas. Melhor achar uma rota sem ônibus - e depressa...!
Este set de fotos sobre as geishas de Kioto (Japão) e este documentário da BBC sobre a formação de uma geiko (geisha no dialeto de Kioto); dizem que beleza custa e eis que esse documentário prova!
A quantidade absurda, fenomenal, abissal de papoulas e margaridas nos locais mais improváveis da cidade. Qualquer dois milímetros de terra entre as pedras da calçada já é espaço suficiente para nascerem flores.
Andar de bicicleta - quando não estou correndo dos ônibus (aqui algumas ciclovias são "gentilmente" divididas com os coletivos), é uma experiência muito interessante, a ser melhor descrita depois.
Morangos e cerejas, posto que é época e eles estão em todos os lugares.
O sol, quando ele aparece (típico verão inglês: dois dias de sol e três dias de chuva, geralmente sexta, sábado e domingo).
Para resumir uma longa história, comprei uma bicicleta de segunda mão. Fui até o supermercado e estava envolvida no complicadíssimo ritual de prender a magrela no poste do estacionamento quando passou um senhor, igualmente sobre duas rodas.
Ele tranqüilamente deixou sua bicicleta encostada na parede e ficou me observando por uns dois minutos. E do nada ele pergunta:
"Mas por que você está amarrando a bicicleta desse jeito?"
"Porque ela me custou uma grana e não quero que a levem embora", eu respondi, surpresa como se ele tivesse me perguntado por que eu respiro com os pulmões.
O senhor olhou para mim, olhou para a bicicleta, olhou para mim de novo e perguntou delicadamente:
"O que você está estudando na universidade?"
Afinal, na cabeça dele, só mesmo um estudante estrangeiro para prender uma bicicleta de quinze anos de idade no poste com um monte de correntes e trancas. Eu ia explicar de onde eu venho e tal, mas aí já era perda de tempo. Eu só ri e fui fazer as compras.
Anna, 28 anos, na ponte aérea São Paulo (Brasil)/Norwich (Inglaterra). Casada com um alquimista. Vivo de escrever enquanto e porque respiro. English spoken, on parle français, nihongo ga wakarimasu (e durma-se com um barulho desses).
Minha voz você pode ouvir no podcast esportivo 3 na Copa.