Redação: No caminho da creche

11:55 Posted In 1 Comment »
O meu ônibus passa em frente a uma creche da Prefeitura, bem conhecida lá na Mooca. O que significa que, de manhã, eu tenho a companhia constante das mães que vão deixar seus filhos por lá.

Nos últimos dias, por causa da onda de frio, tem acontecido um festival de gorros e casacos e narizes fungando na área de assentos reservados. Você pode até ignorar um idoso ou uma grávida (vai que ela só está gorda...), mas é impossível ignorar uma mãe com uma criança de quatro anos no colo, especialmente com um gorro chamativo e nariz fungando.

Criança chora. Se entedia. Quer falar com a mãe, com o motorista, com o passageiro do banco do lado. Querem sentar, querem levantar, querem sair correndo. Ou isso ou dormem até a hora do descer, quando então começa a choradeira. O cobrador dá bronca no ranzinza que reclama - porque sempre tem um que reclama: o senhor/a senhora não tem filhos? Se não tem, o senhor/a senhora já deu trabalho porque já foi criança, então bico fechado.

Quando descem todos na frente da creche e o ônibus segue seu sacolejo costumeiro, sempre fica a impressão de que o silêncio no coletivo é desproporcional e sem graça.

Confidencial: ao alquimista e seus copos de saquê

10:12 1 Comment »


(...)

Le grenier sans bataille livre ses trésors
ses panoplies de cow-boys aux petits ambassadeurs
qui colonisent pour la dernière fois
la modeste terre promise: quatre murs et un toit.

(...)


(Bénabar, "Quatre Murs et un Toit")

Mondo Mistral: O que achas das coisas?

11:30 Posted In 1 Comment »
(questões tiradas deste muito interessante blog)

Ser humano: O projeto era ótimo; pena que a execução deixa a desejar.

Guerra: Infelizmente, um dos problemas da execução do projeto acima.

Mundo: O condomínio mais atrapalhado que existe.

Sexo: Aquilo que revela o melhor, o pior e o mais esquisito de todo mundo.

Homens: Ruim com eles, pior sem eles.

Mulheres: O céu e o inferno de toda a humanidade. Geralmente ao mesmo tempo.

Filósofos: Platão, Maquiavel e Lennon/McCartney.

Epitáfio: Partiu contra sua vontade.

Memórias televisivas

10:11 0 Comments »
A família da minha tia, radicada na Itália, mandava fitas e mais fitas com os programas da RAI para os familiares que moravam aqui. Era engraçado ver como os programas eram parecidos com os nossos - ainda que naquele italiano ardido. A RAI é um SBT gigante, no que o SBT tinha (e tem) de mais kitsch.

Meu vizinho no alojamento estudantil, lá na Inglaterra, tinha uma televisão. Ele adorava os programas de jardinagem, sei lá eu porquê. Ele me deixava assistir a novela EastEnders e o Doctor Who de quando em vez.

Minha avó paterna é noveleira, e com orgulho. Certa vez, correu o boato de que a GlóriaPires tinha se matado - alguma coisa maluca, obviamente, mas ela me fez ligar o computador para ver se era verdade. "Imagina, uma novela sem a Glória Pires!", ela dizia.

Os comentários que meu pai e meus tios fazem quando assistem a novela (geralmente no fim de ano, quando estamos na praia e não tem o que ver), eu não posso reproduzir porque tem criança na platéia. Mas começava nos implantes da Danielle Winitz e ia parar sabe Deus onde.

Meu tio Ricieri, se achando muito engraçado, tirou os fusíveis da caixa de luz de casa na hora em que ia passar o último capítulo de A Próxima Vítima. Poucas vezes ele foi tão xingado.

Hoje em dia eu quase não assisto TV. Mas é engraçado lembrar de como a caixa de fazer doido me traz lembranças.

Confidencial: para Nanathi e Camila (e para Melody, que não estava lá)

08:33 2 Comments »
Então é isso - HP7, fim da jornada.

Para quem se conheceu no começo e fim de adolescência (respectivamente vocês três e eu), até que foi um longo caminho - entre livros, spoilers, ficção desvairada, RPGs, longas conversas pelo Messenger, brigas, retornos, confusões e outras adversidades.

Como disse a Camila ontem, é o fim de um ciclo.

Mas, como diz uma das minhas canções favoritas, every new beginning comes from some other beginning's end. Então, vamos que vamos!

(e que ninguém me conte como é o livro. Eu só vou lê-lo daqui duas semanas O alquimista me presenteou com a versão britânica no dia seguinte a este post, num desses truques que só ele consegue tirar de dentro de sua cartola imaginária. Estou lendo - devagar, com medo de acabar, com medo de me distrair. Esta é a jornada. )

Dulce Decorum Est

17:23 0 Comments »

(...)
If in some smothering dreams you too could pace
Behind the wagon that we flung him in,
And watch the white eyes writhing in his face,
His hanging face, like a devil's sick of sin;
If you could hear, at every jolt, the blood
Come gargling from the froth-corrupted lungs,
Obscene as cancer, bitter as the cud
Of vile, incurable sores on innocent tongues,
My friend, you would not tell with such high zest
To children ardent for some desperate glory,
The old Lie; Dulce et Decorum est
Pro patria mori.

(Wilfred Owen, "Dulce et Decorum Est", 1918)


Se em algum sonho sufocante você também pudesse caminhar
atrás do vagão onde nós o jogamos
e ver os olhos brancos retorcendo em sua face
a face que caía, como o vômito pecador do demônio
se você pudesse ouvir, em cada sobressalto, o sangue
que vinha borbulhando de seus pulmões pela espuma corrompidos
obsceno como o câncer, amargo como o refluxo
das vis, incuráveis feridas nas línguas inocentes
Meu amigo, você não diria com tanta alegria
às crianças ardentes por alguma glória desesperada
a velha mentira: É doce e decoroso
morrer pela pátria.

E é tudo o que eu tenho a dizer sobre o acidente em Congonhas.

Rádio Mistral FM: "Le Poinçonneur Des Lilas"

15:50 Posted In 1 Comment »

Le Poinçonneur des lilas // O conferidor de bilhetes

(Serge Gainsbourg)


Eu sou o conferidor de bilhetes
que os caras passam e que não olham
Não tem sol debaixo da terra
ô viagem chata
pra matar meu tédio eu carrego no colete
as "Seleções do Reader's Digest"

E nesse livrinho escreveram
que tem esses caras com vida fácil em Miami
Enquanto eu fico aqui como um bobo
No fundo desse poço
Parece que não tem trabalho ruim no mundo
Eu, eu faço buracos nos bilhetes!

Eu faço buracos, buraquinhos, e mais buraquinhos
Buraquinhos, buraquinhos, sempre os buraquinhos
Buracos na segunda classe
Buracos na primeira classe
Eu faço buracos, buraquinhos, e mais buraquinhos
Buraquinhos, buraquinhos, sempre os buraquinhos!

Eu sou o conferidor de bilhetes
Para ir ao Invalides, baldeação na Opéra
Eu vivo no coração do planeta
Tenho na cabeça
um carnaval de confete
que eu carrego até minha cama
E debaixo deste céu branco
eu só vejo brilhar os sinais de baldeação
Às vezes eu sonho, eu divago
eu vejo as ondas
E lá na bruma no fundo de um porto
eu vejo um barco que veio me procurar

Pra me tirar desse buraco onde eu faço buracos
Buraquinhos, buraquinhos, sempre os buraquinhos
Mas o barco desaparece
e eu vejo que eu saio dos trilhos
E eu fico no meu buraco a fazer buracos
Eu faço buracos, buraquinhos, e mais buraquinhos
Buraquinhos, buraquinhos, sempre os buraquinhos!

Eu sou o conferidor de bilhetes
Arts-et-Métiers, direto pela Levallois
Eu já tô muito de saco cheio desta cloaca
Eu queria viver um pouco a vida
Deixar o capacete lá no vestiário
Um dia virá, eu tenho certeza,
em que eu vou poder sumir pelo campo
Eu vou pôr o pé na estrada
E custe que custe
E se pra mim não der mais tempo
Eu vou me mandar desta pra melhor

Eu faço buracos, buraquinhos, e mais buraquinhos
Buraquinhos, buraquinhos, sempre os buraquinhos!

Tenho bem motivo pra ficar louco
motivo pra pegar um revólver
E me fazer um buraco, um buraquinho, um último buraquinho
E vão me colocar num buracão
Onde eu não vou mais ouvir falar de buracos
Buraquinhos, buraquinhos, buraquinhos!

***

Da longa lista de canções do Serge Gainsbourg, uma das mais engraçadas e trágicas ao mesmo tempo. Dizem que a inspiração veio de um poinçonneur a quem Serge perguntou qual seria seu maior desejo. "Eu só queria ver o céu", foi a resposta.

O lilas do título é o bilhete unitário de metrô, que era furado na entrada das estações. Por causa desta música (o primeiro grande sucesso de Serge), o túmulo do artista está sempre cheio destes bilhetinhos (além de maços de cigarro e garrafas de bebida - quem é que precisa de flores?).

Uma partícula minúscula

11:04 1 Comment »
Eu sei que existem milhares de dores e milhares de milhões de problemas no mundo, mas que culpa tenho eu se me sinto particularmente miserável quando estou com os pés e os sapatos encharcados num dia de frio?

17:22 3 Comments »

Meu avô materno nasceu no interior de São Paulo. Minha bisavó queria que ele se chamasse Nelson, mas o meu bisavô, com a teimosia que corre na família, registrou o bebê como Orestes (porque todos os filhos tinham nome de origem grega).
Que eu me lembre, ninguém o chamava de Orestes. Para todos os efeitos, ele era o Nelson. E pronto!
Ele adorava pescar.
Ele tinha um sotaque duro e era míope que doía - os óculos dele eram bem pesados, com uma lente que mais parecia vidro de aquário. Ele usava um creme no cabelo, antecessor do gel que vinha num tubo vermelho; uma vez meu tio confundiu esse creme com o tubo da pasta de dentes...
Ele conheceu a minha avó numa esquina lá na Mooca; ele trabalhava em uma retífica de motores, ela era professora, aquela esquina era o ponto onde o caminho dos dois se cruzava. Eles tiveram três filhos - a única menina, a mais velha, é minha mãe.
Foi meu avô quem me registrou no cartório quando eu nasci, junto com o meu pai. E foi ele quem brigou com o oficial por causa do meu nome (Anna, com dois 'n' - perto do que tem de nome esquisito nesse mundo, meu prenome é uma gota d'água no oceano).
Meu avô gostava de cachorros. E tinha pavio-curto.
Ele morreu no último dia de 1987.
Hoje eu busquei na oficina uma caneta-tinteiro - uma Parker 61 Signet dourada, linda, com o peso do tempo. Era do meu avô, agora é minha.
Sabe, eu sinto uma falta danada dele. Se você tem um avô legal por aí, eu te peço, aproveita por mim. E saiba que eu tenho uma inveja muito, muito feroz da sua sorte. Porque eu só tenho uma caneta e um punhado de memórias que está começando a sumir.

Pequenos problemas cosméticos

14:09 1 Comment »
Para resumir uma longa história: descobri que a marca de maquiagem que eu uso (desde o dia em que precisei começar a usar batom e rímel para trabalhar) deixou de ser fabricada. O que é um certo problema - fútil, concedo o opnto, mas problema ainda assim.

Foi assim que eu fui parar na perfumaria hoje de manhã.

Se um dia você precisar rir, vá comigo em uma loja de maquiagem. Quem me conhece sabe que eu não levo absolutamente jeito nenhum para essas coisas e por isso trato de não levar a sério a missão. Eu faço comentários bobos sobre as cores, imagino quem é que carrega aquele monte de coisa na bolsa... E, pior de tudo: bicho curioso que sou, eu fuço e experimento absolutamente tudo o que me aparecer na frente. Se bobear, saio mais pintada que um pavão. As vendedoras, com razão, ficam malucas comigo.

Mas devo dizer que uma delas foi bem gentil comigo hoje. Ela era revendedora da marca que eu usava e me ajudou a achar uma paleta de cores que me servisse. (Claro, ela me fez de boneco de testes, mas isso já era o esperado - uma espécie de pequena vingança pelo fato de eu mexer em tudo e só levar uma sacola minúscula...)

Vertigem

08:49 1 Comment »
Falta de tempo para escrever. Os dedos coçam como se eu tivesse sarna, mas não consigo sentar nem por um instante - tem tanta coisa para fazer que dá até medo.

É uma vertigem, essa história de mudar de vida. Você se inclina na beira do abismo e espera que um vento lhe leve para longe, para o outro lado ou direto para baixo, para ver o que está lá lhe esperando.

Então, que o vento me carregue - mais alto, mais longe.