Redação: Porque não sinto banzo.

08:38 Posted In 2 Comments »
Uma ex-aluna do alquimista escreveu um lindo trabalho de conclusão de curso sobre os dekasseguis, os brasileiros (filhos, netos de japoneses) que vão para a terra dos antepassados trabalhar. Uma frase do texto me acertou na testa: no Brasil, ela era a "japa", a estranha. No Japão, ela era a "brasileira", outra estranha.

Me perguntam às vezes se eu me sinto assim. Adivinhe as caras de surpresa quando eu digo que não!

Não sou britânica nem de nascimento nem de ascendência. Sou brasileira, ascendência ítalo-hispano-libanesa, nascida e criada numa ilha chamada São Paulo. E uma coisa que me deixa maluca em São Paulo é a subdivisão da nacionalidade, coisa que chega a níveis sub-atômicos. Ninguém nunca é brasileiro e ponto -- tem que se identificar com o Estado, a cidade ou região, o bairro onde nasce e ad infinitum.

Tudo isso para chegar na Grã-Bretanha e virar, da noite para o dia e sem aviso prévio, brasileiro. Tendo que registrar o passaporte na polícia, explicar o sotaque e falar sobre o futebol (e aí depende do interlocutor: até 2o anos, Ronaldinho; 25-30 anos, Romário; dos 30 até 40 a pessoa lembra do Sócrates e do Falcão; acima disso, falar sobre o Pelé resolve).

Eu nunca tive problema com isso - nem com a polícia, muito menos com a imigração. Por isso mesmo quando me deparo com histórias sobre brasileiros barrados na imigração britânica ou com compatriotas que me matam de vergonha, eu não sei bem como registrar o que eu sinto. Tristeza? Complacência? Ou dizer "isso não é comigo" e ir ler as notícias do esporte?

A imigração aqui é pesada, sim, muito -- como de resto na Europa inteira. São cães-de-guarda mesmo, com poder de vida ou morte sobre quem chega. Com eles não há conversa ou jeitinho que dê certo. Quando tenho que enfrentar o bicho, venho armada de tudo quanto é documento disponível neste e no outro mundo para explicar minha situação, de onde venho, para onde vou.

O fato é que temos má-fama. Brasileiros são considerados barulhentos, incapazes de obedecer as ordens mais simples -- não por falta de tutano mas por pura birra. Não preciso pensar muito para achar um exemplo: sabe comportamento de adolescente no cinema? Como você se sente ao ver aquele bando de gente barulhenta furando fila como se isso fosse normal e falando no meio da exibição?

Então. É assim que os oficiais da imigração se sentem...

E eis que eu vivo aqui e me dou bem com o lugar e com as pessoas e instituições. Adoro praticamente tudo por aqui (menos torta de rim e vento gelado de 60 km/h no inverno).
Não tenho paciência para viver em gueto nem sinto banzo do Brasil (esse texto define bem esse aspecto).

Porém, não quero vestir a bandeira de St. George e fingir que não tenho sotaque, fingir que não é comigo.
Acho que vou seguir adotando o comportamento de um amigo meu: judeu, ele disse certa vez que sente a necessidade de se comportar melhor do que a média porque ele representa, aos olhos de todos os outros, um povo inteiro. Se ele fizer uma besteira, lá vai o pessoal dizer "o judeu isso, o judeu aquilo".

Comigo aqui na Anglia é a mesmíssima coisa. Represento, mesmo sem o desejar, uma nação inteira. Isso me força a me comportar e me abre os olhos. Quando me perguntam do sotaque ou querem falar de futebol, eu converso sem problemas. Quero aprender sobre eles e quero que eles aprendam comigo o que é vir do outro lado do oceano.

Eu nasci com uma sina: viver entre dois mundos. Ambos são adoráveis e confusos ao mesmo tempo e eu não pretendo, de maneira nenhuma, escolher entre eles. Fico com os dois, sim senhor -- e quem não gosta que vá reclamar com o bispo!

2 comentários:

Anônimo disse...

O Bispo Michael parece muito aberto a esse tipo de conversa, mas não pretendo falar com ele sobre isso. Dou toda razão para você. Somos dois nessa.

Anônimo disse...

Carol,
mom is proud of you!