Redação: Aos meus mortos
12:52 Posted In Redação: 3 Comments »
Passei o feriado pensando no que escrever. Não me acerto com a data, no sentido de que não preciso de um dia especial para lembrar dos que partiram. Fico meio (muito) cabreira com o trânsito na porta do cemitério, com o preço das flores, com o bando de gente perguntando se pode limpar o túmulo.
E no entanto preciso escrever. Justamente porque a data me azucrina tanto. E quando algo me incomoda, eu escrevo (logo nota-se que eu vivo sentada numa almofada de alfinetes, pelo tanto que me meto a datilografar!).
Penso nos meus mortos à minha maneira. Eles estão por perto em ações simples, herdadas. Eu sou produto de duas guerras mundiais e de uma onda de fome no continente de onde vieram os meus. Quando eu falo, quando eu ando, quando eu tenho que colocar meus óculos para ler a tela do computador, eu sou um reflexo deles. Assim como os que virão depois de mim serão reflexo meu.
Não se trata de DNA, posto que muitos dos que eu velo no meu silêncio não partilham meu sangue. Trata-se de convivência, influência, até mesmo amor. Lembro deles num gesto, num gosto. E rio quando alguém lembra de mim desta forma.
Passei a compreender melhor a idéia da morte no começo da adolescência, num dia em que via na TV um filme de guerra. Faz sentido ter uma iluminação vendo um G.I. que atira num soldado alemão? E é para mim que você pergunta?, mas o fato foi que assim me caiu a ficha. O soldado não nasceu de um repolho (que a lenda da cegonha é mais latina do que tedesca) - teve pais, avós, colegas de escola. E tudo isso para, aos vinte e poucos, ter que cruzar com o inimigo e morrer com um tiro. E alguém na platéia grita "mas isso não é justo!"
Não é justo, não é decente, mas nem a vida e nem a morte são justas. Elas simplesmente existem e tudo o que fazemos é preencher o tempo entre as duas extremidades. Nunca vai dar tempo de fazer tudo o que a gente quer, porque somos um eterno work in progress.
Por isso, não adianta ter medo da morte. Ela existe e vai acontecer, quer você queira, quer não. Por isso, faça o que puder. Deixe seus reflexos nos outros. No fim das contas, não resta muita coisa senão lembranças. E elas duram mais do que qualquer flor que você possa levar no cemitério, eu garanto.
(Ma li manco mólto, nonno... Mi domando se vedete i fiori che hanno dato voi!)
E no entanto preciso escrever. Justamente porque a data me azucrina tanto. E quando algo me incomoda, eu escrevo (logo nota-se que eu vivo sentada numa almofada de alfinetes, pelo tanto que me meto a datilografar!).
Penso nos meus mortos à minha maneira. Eles estão por perto em ações simples, herdadas. Eu sou produto de duas guerras mundiais e de uma onda de fome no continente de onde vieram os meus. Quando eu falo, quando eu ando, quando eu tenho que colocar meus óculos para ler a tela do computador, eu sou um reflexo deles. Assim como os que virão depois de mim serão reflexo meu.
Não se trata de DNA, posto que muitos dos que eu velo no meu silêncio não partilham meu sangue. Trata-se de convivência, influência, até mesmo amor. Lembro deles num gesto, num gosto. E rio quando alguém lembra de mim desta forma.
Passei a compreender melhor a idéia da morte no começo da adolescência, num dia em que via na TV um filme de guerra. Faz sentido ter uma iluminação vendo um G.I. que atira num soldado alemão? E é para mim que você pergunta?, mas o fato foi que assim me caiu a ficha. O soldado não nasceu de um repolho (que a lenda da cegonha é mais latina do que tedesca) - teve pais, avós, colegas de escola. E tudo isso para, aos vinte e poucos, ter que cruzar com o inimigo e morrer com um tiro. E alguém na platéia grita "mas isso não é justo!"
Não é justo, não é decente, mas nem a vida e nem a morte são justas. Elas simplesmente existem e tudo o que fazemos é preencher o tempo entre as duas extremidades. Nunca vai dar tempo de fazer tudo o que a gente quer, porque somos um eterno work in progress.
Por isso, não adianta ter medo da morte. Ela existe e vai acontecer, quer você queira, quer não. Por isso, faça o que puder. Deixe seus reflexos nos outros. No fim das contas, não resta muita coisa senão lembranças. E elas duram mais do que qualquer flor que você possa levar no cemitério, eu garanto.
(Ma li manco mólto, nonno... Mi domando se vedete i fiori che hanno dato voi!)
3 comentários:
De longe, um dos textos mais belos que já li a respeito de identidade e de morte. Não fico sossegado com esse comércio porque entendo que a morte é um mistério que não se pode resumir com flores compradas sem um sentido de responsabilidade - o que eles me deixaram?, como aproveitar isso?, como passar adiante?
Suas imagens em texto são fascinantes. Quero um dia escrever assim.
e não é que eu descobri o endereço do blog "novo"? vamos nos ver no sábado, hein? beijo! cynthia
Carol,
que coisa bonita de ser lida e, acima de tudo, que linda homenagem ao nono!
Tenho certeza de que ele é muito feliz, onde estiver, por você existir.
Beijo,
Mom
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